11.7.02

Pulp Hack III
em 03.07.02

Encarando a fotografia emoldurada, percebeu que a culpa por não ser pulp era dela. Não da foto, mas na mulher nela. Pelo menos nisso era noir: a culpa de sua desgraça era de uma mulher. Nada mais apropriado que ela ser sua namorada e amor da sua vida no momento. Era culpada, mas não o suficiente.

Ela era linda, o escritor tinha que admitir dando uma tragada mais profunda nos cigarros caros cigarros baratos corretos e preparava-se para outra dose de autopiedade. Mais que linda, ele acredita que ela era perfeita, mas não do jeito certo. Depois de muitos erros, tinha finalmente acertado. Pelo menos era nisso que queria acreditar, examinando de longe a pilha de cadernos baratos cheios de poemas e letras e músicas da pomposa dor adolescente que ele relutantemente deixava para trás.

Olhando os cadernos e pensando na tranqüilidade que ela causava, se perguntava por que as coisas tinham que dar tão certo agora. Precisava de uma desilusão adolescente, de uma paixão sem parâmetros. Daquelas que duram as três semanas que precisaria para escrever um romance. De preferência envolvendo uma loira macia, alcoólica, com algum plano secreto incompreensível, mas que sem dúvida nenhuma envolve você e alguma vingança. Ou aquele outro tipo clássico, lânguida, pálida e frágil, mas que domina todos os homens ao redor sem fazer muito esforço.

Era de uma dessas que o escritor precisava para ser pulp. Uma mulher que causasse agonia e infelicidade. Ele precisava ser misógino - palavra que só Marlowe, entre todos os detetives, conheceria. E não importava quanto whisky barato bebesse, não ia conseguir isso. Abaixo dos trópicos, o ódio às mulheres vinha com pinga, desemprego e sinuca. E desses nenhum combinava com o noir que precisava escrever.

Claro, podia mudar dali. Deixar a mulher que atrapalhava sua infelicidade para trás. Ir para uma cidade mais urbana, mais plana e com o mais sujo. Mas - tanto quanto o medo de ficar sem ela - eram as dúvidas se isso funcionaria. Claro, beberia muito - até gim, quem sabe - mas sabia que a ausência dela seria uma mudança de foco. Ele precisava temer uma mulher, odiá-la ao mesmo tempo que a desejasse. Tinha certeza que dela só sentiria saudades.

E nem a pau iria voltar para aquela choradeira indie.