27.2.02

Bicicleta
Em 27.02.02

Eu queria uma bicicleta.

Papai Noel não existe. O homem na tv tá sendo preso por que disse que Papai Noel não existe e se Papai Noel existisse ele não ia preso, só ficava sem presente porque tinha mentido. Se Papai Noel não existe ele não vai preso porque não fez nada errado e a polícia não prende quem não fez nada errado e só que faz alguma coisa errada vai preso porque a polícia não é igual a mamãe, que brigou comigo e puxou minha orelha por que o vaso caiu no chão e quebrou e eu nem tava em casa e se estava, tava vendo tv quietinho e a gata que ela diz que não existe que deve ter quebrado se tiver alguém igual à mamãe na polícia nem dá pra saber se Papai Noel existe ou não.

Nem que eu quebrei o vaso. Papai Noel existe senão não tinha visto eu quebrando o vaso e tinha trazido minha bicicleta e não esses bonecos que são legais mas não são uma bicicleta e eu não posso andar na rua e depois tirar a rodinha e pular a rampa e andar com o José que é o menino mais legal por que é grande mas mesmo assim conversa comigo.

Eu só queria uma bicicleta. Mamãe me prometeu que Papai Noel trazia uma bicicleta se eu me comportasse vem, estudasse direitinho, tomasse banho escovasse os dentes e tudo isso. Daí eu fiz e no dia do Natal eu não ganhei a bicicleta, mas uns bonecos e uma roupa que me espeta todo e eu nem queria. Eu vi na tv que Papai Noel não existe, se existisse eu ganhava minha bicicleta e os bonecos e uma roupa que não pinica e não tem botão.

Não preciso mais me comportar se Papai Noel não existe. Só ele sabe de tudo a mamãe não só preciso fazer de conta na frente dela e quando ela presta atenção. Ela diz que o papai me vê o tempo todo lá de onde ele está mas se Papai Noel não me vê não é o papai que vai ver. Então eu posso fazer o que eu quiser se ninguém estiver olhando e ninguém vai me ver.

Vai ser legal fazer tudo que eu quiser se ninguém me ver fazendo mas eu queria mais a bicicleta e que Papai Noel existisse.


Em algum ponto de 2000


23.2.02

Digressões Sem Nicotina
Em 22.04.99

Mais uma vez, passei meu dia em casa.

Mais um dia pulando aulas, pensando sobre o tempo, lendo, brincando com imagens... Imagino a imagem de uma câmera além do teto do meu quarto me filmando: eu deitado na cama, de camisa regata, fumando. (Não que eu fume, use camisa regata ou mesmo tenha certeza de que o quarto e corpo na imagem são meus).

Me peguei, durante a tarde, ouvindo discos que não ouvia há algum tempo. E outros que ouço quase demais: o primeiro Garbage, Protection, Lost Highway, os três Cowboy Junkies e até um Suzanne Vega (e não o melhor deles).

Foi ouvindo “Light my Fire”, numa versão do Massive Attack que um pensamento que começou a se formar ontem se calcificou: as músicas que eu amo nos discos raramente são as por quais me apaixono à primeira vista (à perpétua exceção de “The Perfect Drug”).
Troquei “Only Happy When it Rains” por “Fix me Now”. “Teardrop” por “Inertia Creeps”, “Head Like a Hole” por “Down in It”. E, apesar de muitas vezes me esquecer de ouvir “Common Disaster”, paro tudo para ouvir “Bea’s Song” (btw, com licença).

(retornando...)

Esse tipo de bobagem me fez, sei lá por que razões, refletir sobre que coisas vão se tornando permanentes em nossas vidas (mais especificamente, em minha vida). As coisas mais improváveis. E raramente aquelas que esperamos.

Eu esperava ainda acreditar piamente na Ciência, ainda ser amigo de determinadas pessoas, ainda usar cabelo comprido (idéia que hoje coça)...

E esperava já ter me despedido do tesouro sob minha cama, ter esquecido quem é Neil Gaiman, não mais ver Salvador À Noite. E definitivamente, não esperava ver as fuças de alguns de vocês depois de quase (ou mais) de dez anos.

E o que espero hoje? Fingir que sou outra pessoa em alguns sábados por mais dois ou três anos, esperar ansiosamente cada encomenda de quadrinhos por mais umas duas décadas, me formar algum dia...

Não ouso imaginar muito além disso. Não consigo me imaginar sem óculos ou empregado corretamente. Não consigo imaginar meu rosto ou roupas em três anos. Não consigo imaginar nenhum panorama plausível para mim, nem identificar minha cena obrigatória.
Fico pensando em qualquer mundo viver. Eu, imóvel em mim, em vários mundos.

Por que diabos é mais fácil imaginar mundos que nós mesmos?

Às vezes acho que deveria fumar. Mentolados são melhores que pensamentos.

20.2.02

Algodão Doce
Em 20.02.02

Eu só queria era um algodão doce.

Um pouco de açúcar para me animar. Esquecer um pouco da dieta e da alimentação correta. Ando tanto precisando me animar... Salada e peixe grelhado são ótimos; ver a barriga lisinha também – ou tão lisa quanto pode ficar. Pra depois ouvir uma história de simplicidade. Fica sempre faltando alguma coisa. Não é nem o sabor ou o dulçor, é mais a animação.

Dá pra perceber que quem me olha pensa o mesmo que eu: que algodão doce é coisa de criança. Que uma senhora de quase trinta não devia mexer com essas coisas. Dane-se. Eu queria algodão doce justamente por ser coisa de criança. Doce, colorido, impressionante e vazio. Calorias vazias, melhor. Quando eu era criança eles não eram tão grandes assim. Mal comecei a comer e já estou com sede, cansada. Mas não quero água. Quero aquele restinho que fica grudado no palito. Por que não para de me olhar? Ninguém mais entende o prazer de um algodão doce.

Algodão doce é bem melhor que chocolate. Chocolate é coisa de mulher largada, de trintona triste e me nego a assumir qualquer um dos dois papéis. Ficar assistindo filmes água com açúcar e chorando na frente da TV, bebendo vinho por faltar coragem pra beber algo que funcione... Tudo muito clichê. Se é pra encher a cara de açúcar, melhor algodão doce. Muito mais divertido, muito mais simples e bem menos arriscado. Afinal, cedo ou tarde o vendedor vai ter que ir embora. Eu podia passar a noite toda comendo chocolate. Mas depois de um algodão doce quem é que vai querer saber de açúcar?

Esse negócio dá mais sede do que eu lembrava. Também, deve ter quase dez vezes o tamanho do último que eu comi. Aliás, quando foi isso? Deve ter mais de dez anos, eu nem estava com ele ainda. Eles não tinham essas cores tão bonitas. Ou acho que estava. Foi aquela vez no parque de diversões? Lembro de ficar com o rosto grudado, sem um banheiro para poder lavar. Que coisa mais clichê ir namorar em roda gigante. Não, acho que foi maçã-do-amor. Mas eu nem gosto de maçã!

Eu devo estar muito engraçada, toda suja. Dá pra sentir os pedacinhos de algodão colados no rosto. Eu devia ir lavar, mas combinei de encontrar ela aqui. E ainda tenho muito chão pela frente, só dá pra ver o palito na pontinha. Então nada de dois beijinhos. Não suporto mesmo. Coisa mais sem graça, igual a outra lá. “Simplicidade”. E isso lá é motivo? Por que ele não admite logo que quer alguém mais nova e menos neurótica? E precisava me chamar de neurótica? Ele quer é uma mulherzinha clichê igual ela, que cozinhe e limpe e tenha filhos por ser a coisa a se fazer. Eu disse que ele vai se arrepender. Eu sei que vai. Deixa só eu terminar meu algodão doce.

7.2.02

Sen-ryu Pré-Carnaval
em 07.02.02

Me pego observando,
Da janela do ônibus,
Que não sei participar