16.3.02

Perfeição
em 16.03.02

Eu queria perfeição.

Procurei tanto por perfeição, alguém sem excessos ou faltas. Para isso. O pior é que desta vez eu achei mesmo que havia encontrado perfeição. Ou, melhor, que experimentaria - possuiria - perfeição. E não posso reclamar que foi mais um engano. É a primeira vez que me decepciono assim. Um sentimento novo, pelo menos. Como se eu precisasse.

A idéia de perfeição sempre foi algo maior que uma preocupação. Ou foi minha principal preocupação. Desde que posso me lembrar, as fotos nas revistas de moda, nas propagandas de produtos de beleza, nas pinturas renascentistas... Tudo isso me causava uma angústia profunda. Estava certo que nunca me encontraria com aquela perfeição. Até porque nunca me iludi a respeito dos poderes de maquiagens e uma boa iluminação. Mesmo assim nunca me livrei da idéia de experimentar a perfeição. Não para mim, claro, mas em alguém. As pessoas perfeitas não são necessariamente as mais interessantes, pelo pouco que pude perceber nas poucas que conheci. Minhas imperfeições realçam meu caráter.

"Pessoas", como se fosse isso que me interessasse. É idiotice minha tentar me enganar, é de corpos que estou falando. A casca, a embalagem perfeita. Não é tão fácil de encontrar quanto parece à primeira vista. Corpos incluem rostos, vozes, posturas, maneiras de falar, tons, roupas. Variáveis demais para serem conseguidas em academias e caras demais para mesas de operações. A maioria das pessoas não quer perfeição, harmonia - mas o nariz da novela, a barriga da revista, as roupas da moda.

Na maioria das outras poucas vezes que encontrei pessoas perfeitas - e minha profissão se presta a isso - elas tinham um defeito que prejudicava suas posturas e vozes. Elas sabiam que eram perfeitas. Falavam alto demais, ou naquela voz pateticamente arroucada de quem quer seduzir todos ao redor, ficavam com o nariz empinado, atrapalhando a posição natural dos músculos faciais perfeitos. Claro, encontrei uma ou duas outras perfeições, mas elas não demonstraram interesse em minhas propostas veladas.

Até hoje não tinha encontrado a perfeição ideal - ignorante de si e disposta. Quando a encontrei, sabia que seria minha melhor chance, mesmo que levasse - como levou - tempo. Claro, a pele não era do tom ideal, mas era absurdamente bem feita e uniforme. Como vinil, o contraste ideal. E o tato correspondia.

Eu odeio saber que o toque final que me permitiu experimentá-la foi o que trincou sua perfeição. O braço machucado estava errado, algo que contaminou a pele de todo o corpo. Me preocupei mais em não encontrar outro daqueles que em sentir.

Claro que agora posso contar com replays, mas replays disso. Não há mais a possibilidade de perfeição aqui.

E eu queria só perfeição.