22.5.01

Diálogo I

- Que merda de metáfora é essa? – perguntou o personagem enquanto era escrito – Até você pode fazer algo melhor para refletir o fim de minha família, meu desemprego e depressão que uma casa caindo aos pedaços. Não dá pra pesar a mão um pouco mais, não? E você acha que está escrevendo o quê? Comédia?! Fazer um pedaço do gesso do banheiro cair na minha enquanto escovo os dentes depois de um pesadelo... francamente! Você quer que as pessoas empatizem comigo ou que riam?!

- O ideal é que fizessem um pouco de cada. De qualquer modo, eu não estou inventando nada: é um romance biográfico.

- Ceeeeeerto... E isso desculpa tudo! Se você acha que essa geladeira vazia é uma forma eficiente de demonstrar meu vazio interior, fique à vontade. Mas eu não vou participar mais disso. Eu me demito!

- Como é? Você não pode se demitir. Você não passa de um personagem inspirado em mim. Eu nunca me demitiria!! Acho melhor você desistir dessa idéia.

- Claro que posso me demitir! É meu direito!! Não importa se eu fui inspirado em você ou não – e você sem dúvida podia ter escolhido alguém melhor – eu não vou mais participar dessa história! Chega! Eu dei uma olhada em suas notas e sei que eu tenho que sair daqui agora e ir procurar emprego na chuva... Mas se você acha que eu vou contribuir com seus planos de monólogo interno, está muito enganado. Eu vou é voltar para a cama!

- Eu não faria isso se você. Não sei se você está lembrado, mas tudo em torno de você depende de mim. Se você não entrar nesse chuveiro agora, vai haver um pico de energia que vai detonar seu computador. Então é melhor você se arrumar e sair.

- Mas meu computador nem está ligado!

- Agora está. Você esqueceu. Já pro banho.

- Chantagista miserável!


(continua)

20.5.01

Fantasmas num quarto de vidro
em 13.07.00

Tenho sentido uma grande vontade de escrever. Uma ambição de contar
histórias não fixadas antes. Salvo uma ou outra permutação de nomes,
advérbios ou substantivos, sei que só sobra minha voz, de "inovação".

Então fico brincando de re-escrever histórias já conhecidas, reuní-las e
apresentá-las como se elas fizessem sentido juntas. Sei que farão sentidos
quando forem vistas juntas, como um homem e uma mulher que se esbarram
vistos por olhos ciumentos: fazem sentido, mas não estão juntos.

Essas histórias - já estupidamente acusadas de poesia em prosa - pertencem
juntas tanto quanto os discos, quadrinhos, revistas, livros e gabinete do
computador que estão sobre minha cama nesse momento. Simplesmente estão
juntas lá, fruto de interesses no mesmo período.

É assim com "Amores Breves", com "Necrópole" ou "Celebridades Mortas". Todas
elas - a segunda e terceira ainda não escritas - não são mais que uma
reunião de histórinhas que vi flutando por aí. Uma ou outra, flutuando
dentro de mim, mesmo que a metáfora seja brega.

Tenho medo de me tornar outro Borges: um espelho cego pelo qual podem ser
enxergadas - de um modo distorcido, verdade - as histórias ali. Por mais que
possam discordar, não acho que seja um destino lá muito agradável: sentado
numa casa em Buenos Aires, vestido num terno invisível enquanto um
computador com a voz melifluamente humana lê para mim. Morto de medo que
decubram minha impostura, alardeando aos quatro ventos que sou um
ilusionista.

Talvez isso não seja verdade, mas é o que sinto agora.

Tenho sentido uma vontade enorme de escrever. E certos livros aumentam essa
vontade. Alguns têm até aquelas pagininhas no fundo, fruto de um descuido
ilusionário na encadernação, mas na verdade um convite ao leitor para que
continue a obra de alguma forma.

Enquanto lia o livro - que não terminei de fato, deixando uma das novelas
ligeiramente para trás - só pensava em terminá-lo para poder sentar e
escrever. Mas ao mesmo tempo, o livro me prendia, provocando que eu chegasse
logo ao final da história aparentemente vazia e extremamente reflexiva.

Não sei se esse é um bom livro. Ele criou em mim uma inquetação, um deleite
e uma raiva diante dos truques do autor. Tão óbvios de se enxergar, mas que
duvido que fosse capaz. Exatamente como um mágico de palco, enxergar o que
está atrás das cortinas não me habilita a nada.

O livro pede - ou provoca - algo que não posso exatamente identificar. Uma
vontade de ir no Brooklin da década de 80 falar com o autor, uma vontade de
falar sobre ele com alguém. De contar que entendeu a razão do título.

Ou simplesmente provoca a escrever.

Acho que é isso que provoca a dúvida da eficiência do livro. Ele não deveria
ser tão exasperador que não provocasse nada além da vontade de relê-lo e
espalhar as boas novas? Não deveria me colocar no meu lugar e me sentir mal
por nunca conseguir fazer aquilo?

Ou ele é bom justamente por me provocar? Me querer levantar e dizer ao
senhor autor que posso - e vou fazer algo igual - que não há nada ali que
algumas marcas com canetas coloridas não desvendem?

Tenho sentido uma vontade enorme de escrever. Mas falta foco.

Não faltam idéias. Tenho várias, mais do que conseguiria desenvolver de modo
algo satisfatório sem preparação. Mas não consigo me decidir por nenhuma
delas agora. Fico rascunhando na minha cabeça, anotando as frases e onde
elas se encaixam, adiando o momento de fixá-las.

Não existe um motivo para isso além da simples indecisão: qual idéia merece
vir a luz primeiro? Qual nascerá prematura, qual vai correr o risco de não
nascer por excesso de cuidados? Esse tipo de dúvida às vezes me aparece, mas
tento não dar a importância que talvez mereçam.

O imperativo absoluto que sentia alguns meses atrás passou. Não me sinto
mais desesperado: não são tempos de desespero.

17.5.01

Invocation II
em 13.02.01

Pieces of
futures
bombing my
past

Adding
noise
so Chaos
will haste

Creeping in,
crippling,
killing
a present
I wish won´t
last.
Invocation I
em 13.02.01

My brain
connected to higher
plans

Seeing pieces
of futures
gone astray

Listening
futures
going away

Calling forth
the past to be
tasted again

4.5.01

Conformação do impossível: Uma História Infantil
em 01.11.99


O menino ouviu com toda a atenção de que podia dispor a história que sua avó contara. E, naquela noite fria, não conseguia pensar em nada além de encontrar o duende que guardava o pote de ouro sob o arco-íris. Não se lembrava de ter visto um arco-íris e, na falta da memória das cores de um, sonhou com as cores de seus lápis-de-cor e um boneco vestido de verde.

O dia seguinte acordou ensolarado, enchendo de arco-íris as esperanças do menino (que não sabia como eles eram formados). Olhou para o céu o dia todo, esperando pelo caminho até seu duende. Chegou a correr em direção ao horizonte enquanto o sol se punha, na tentativa de prolongar o dia. Dormiu decepcionado ao saber que arco-íris são mais raros do que deveriam ser.

Já havia desistido de esperar por um arco-íris quando finalmente aconteceu um. Saiu correndo em direção aquele horizonte, rindo. Sua irmã, que tinha ouvido ele falar dia e noite no amigo que encontraria do outro lado, esperou até o momento certo para desfazer suas ilusões.

- Não existem duendes! Você nunca vai alcançar o arco-íris! - gritou com todas as forças quando entendeu o que estava acontecendo.

- Não é isso que importa! - foi a resposta de além do horizonte.