Diálogo Recursivo I
em 19.07.02, com desculpas a todos os envolvidos
- Nem tudo é biografia, sabia?
- Como se nada fosse...
- Muito pouco é. E nunca é a melhor parte. As coisas interessantes são interessantes de serem vividas, não necessariamente narradas. Soam clichê, remix, dèjá vu...
- Você não fala de outra coisa a não ser de nós. Mesmo quando não fala de nós, está falando. Está lá: mas elipses, na frase quase dita.
- Eu não falo de nada além de mim. Você é ocasional. E você deveria me conhecer melhor. Você sabe o que está acontecendo. Sempre sabe. Ou eu pelo menos espero que saiba. Sou muito claro e óbvio para você. Ou me sinto assim, pelo menos.
- Há muito tempo você não é claro para mim. Queria que ainda fosse.
- Eu não. Detesto a sensação de estar em suas mãos. Queria que você ainda entendesse, mas gosto de sua incerteza. Da simetria.
- É difícil não ler aquilo que você escreve como biografia. É estranho aceitar que as histórias vêm do nada.
- Não vêm do nada. Vêm de outras histórias, de idéias que circulam, das frases que ouvi.
- E por que todas elas se parecem? Por que todas me dizem algo sobre você?
- Porque eu escrevo sobre mim, de uma ou outra forma. Biografia é a menor das preocupações. Você já devia saber que o importante é o imaginário, não os correlativos objetivos. Os eventos que aconteceram ou deixaram de acontecer são só circunstanciais.
- E como vou saber quando são só idéias ou ser algo realmente aconteceu?
- Basta perguntar.
- Isto aqui aconteceu?
- Mais ou menos. Quem se importa? Agora é ficção. Nem eu, nem você, nem ninguém participou desta conversa.