30.4.01

Cinza



Aprendera - sem perceber - a ficar em silêncio. Nada de gritos ou lamentos, só reticências. Toda sensação substituída por elipses.

Antes, os objetivos tornavam tudo mais claro. Os alvos mudavam, as dores passavam e voltavam. Tudo era bem definido e ciscunscrito. Intenso, importante, definitivo. Mas tudo se misturou e as cores ficaram cinza.

E ele passava sem conseguir se importar.

24.4.01

Num Quarto Fechado

Passava os dias trancada no quarto. Não queria ter que ver ou falar com alguém: o esforço de qualquer resposta a destruiria, tinha certeza. Então ficava os dias trancada no quarto, os fones no ouvido, ignorando o mundo. Estava de férias dele.

Passava os dias com livros, cadernos e bonecas. Encenava peças e anotava os resultados. Tinha uma atriz preferida, que sempre ficava com o melhor papel: o da autora. Reprisava algumas peças dezenas de vezes, fazendo alterações aqui e ali. Quando encontrava a voz ideal, batia tudo à máquina e enfiava num envelope pardo.

Saía do quarto toda noite, quando a luz do corredor apagava, no sinal combinado. Andava até a cozinha, onde havia sempre algo para ela. Depois até o posto de gasolina na esquina. Andava pelo meio da rua: era mais fácil evitar as pessoas assim. Depositava o envelope pardo na caixa postal, depois colocava umas moedas nas máquinas de doce, enchia os bolsos e voltava pra casa.

Nem sempre ela se comportou assim. Houve um tempo em que ela participava do mundo. Até que uma perda de intensidade crescente foi recolhendo-a para seu quarto, até se sentir irreal demais para encontrar as outras pessoas além da porta. Resolveu então que ficaria ali até que conseguisse escrever seu caminho para fora.

16.4.01

Interurbano

O silêncio ao telefone. Como ficar abraçado sem se olhar após uma briga ou as mãos dadas quando se quer ficar sozinho. Um contato sem sentido.

Mas sem o qual tudo se desfaz.

Tenho saudades do silêncio ao telefone. É como deitar no seu colo no escuro, às vezes sentindo sua respiração. Como saber, sem sentir, que você está no quarto. Tenho muito pra não dizer.

Me liga.
Em 14.02.01
Rodolfo S FIlho - 14.02.01

10.4.01

London in the low tide of the night - um videoclip
Everything But the Girl


London in the low tide of the night,
not a taxi cab in sight.
Anaesthesied I start the journey home.

(Noite - Rua vazia
Homem I sozinho sai de um pub. Olha para os dois lados, anda
no sentido da rua. Olha para trás, para, ajeita o casaco.
Recomeça a andar.)

I´ve been living months alone,
I´ve being avoiding things
- the phone rings,
I use the answerphone.

(Noite - Apartamento
Mulher I debruçada na janela, olhando os carros passarem.
Sai
da janela, passa por uma mesa cheia de papéis, levanta um,
larga no chão. Senta ao lado do telefone no chão. Se
encolhe)

Inside out in the daytime
(Noite - Apartamento
Close no rosto da mulher, encolhida junto à parede)
Outside in in the night time.
(Noite - Rua vazia
Close no rosto do homem, olhando para trás)

When you´re down and troubled
you don´t tell your friends,
you don´t tell your family,
won´t let them talk about me.
I´m gonna let nobody down.

(Cenas de lugares grandes com apenas uma pessoa neles:
cinemas, salas, ruas, pontes...)


SoHo in the high tide of the day
and for a while I´m swept away
- I just forget it.

(Dia nublado - Rua cheia
Mulher I andando sozinha, olhando para o chão, se esbarra em
várias pessoas)
I use my walkman when I walk
I don´t talk,
but later the moment is gone
and I don´t get it.

(Dia nublado - Rua cheia
Homem I andando sozinho, com fones de ouvido. Examina o
ambiente com ar triste)

Inside out in the daytime
Outside in in the night time.

(Homem I e Mulher I se cruzam durante uma travessia de rua)

When you´re down and troubled
you don´t tell your friends,
you don´t tell your family,
won´t let them talk about me.
I´m gonna let nobody down.

(Cenas de lugares grandes com apenas uma pessoa neles:
cinemas, salas, ruas, pontes...)

Who shall I be tonight?
(Noite - Banheiro
Mulher I sai do chuveiro, limpa o espelho e se encara)
Who´s gonna see tonight?
(Noite - Banheiro II
Homem I se encara no espelho, restos de espuma de barba no
seu rosto)

Inside out in the daytime
Wrong at the right time.
I wanna know I´m good for you.

(Noite - Rua
Mulher I sai de um prédio e começa a caminhar
Homem I sai de um prédio e começa a caminhar para o lado
oposto)

Outside in in the night time,
right at the wrong time.

(Noite - Rua
Homem I e Mulher I parados um de cada lado da rua, esperando
para atravessar)
I wanna know I´m good to you.
(Alterna close do Homem I e Mulher I enquanto atravessam a
rua)

When you´re down and troubled
you don´t tell your friends,
you don´t tell your family,
won´t let them talk about me.
I´m gonna let nobody down.

(Noite - Rua
Passam direto um pelo outro. A câmera vai se afastando
enquanto atravessam até a rua ficar vazia.
Novas imagens de lugares amplos, agora totalmente vazios)

6.4.01

Uma idéia antiga que acabou dando outros resultados. Melhores, mas não os esperados. Não lembro de quando anotei isso, mas foi na mesma época do primeiro "Amores Fugidios" (Janeiro de 2000).

"Uma paixão no trem.

Começando na estação. Surpreendentemente continuando no trem.
Tendo seu pico em um túnel.
E ela desce na estação anterior.

'Admitir que foi ele a beijá-la seria admitir uma rudeza que não era sua. E ele de fato não saberia o que fazer quando ela ruborizasse e dissesse que sabia e por isso beijara de volta.
Se ele a conhecesse além das roupas daquele passeio, saberia que ela não ruborizaria.' "

2.4.01

Sexo e Chuva: Outono
(em 21.03.01)

A varanda aberta e o vento frio entrando por ela. O casal na cama, coberto por um lençol pequeno demais. Sonhos separados e distantes em cada sono. O frio ao se tocarem sem intenção.

A chuva que começa, acelerando. O barulho e as gotículas refletidas no chão perturbando o sono. A impossibilidade de permanecer dormindo. A preguiça de levantar. A pele gélida no ombro adormecido.

Um beijo forçado demais. Os toques brutos demais. A cama molhando. Aproximação rápida demais, direto ao ponto demais. A tentativa vazia de se preencherem de novo.

O ritmo que tenta resgatar o que passou. Os olhos que se evitam.

O fim sem alívio.


A chuva que passa.


O vento frio.