28.11.01

Amores Sonhados II: Divisões

Ela se apaixonava fácil. Não a cada dois passos, onde só encontrava interesses. Mas com uma freqüência e intensidade que a incomodavam mais que a seu namorado.

Não que ele soubesse das paixões além dos momentos em que ela terminava tudo, para sempre, mas percebia uma ameaça constante além do horizonte. A cada separação, encolhia os ombros resignado, sabendo que ela retornaria. Afinal, era o homem da vida dela.

Ela vivia se dividindo entre os jogos e excitações de suas novidades e seu desejo de permanência e segurança. Mas a divisão não durava muito tempo. Afinal, que tipo de segurança seria uma para qual não se pode voltar?

Numa de suas distrações, descobriu como poderia ter as duas coisas. Sem ter que escolher, sem se privar. Sonharia com suas paixões todas as noites, corrigindo os momentos de que se arrependia.

Se sentia feliz e completa em seu sucesso. Seus sonhos a permitiam viver tudo. Até que o acúmulo de um terceiro amor destruiu a perfeição de sua simultaneidade.

24.11.01

Amores Fugidios II: Ônibus

Se arrependia de não ter nada para ler no arrastar do engarrafamento. Costumava enjoar nos passeios de ônibus, mas não havia movimento suficiente nem para isso. E o maldito discman esgotou as pilhas antes de terminar uma música.

Ele fora percebido no instante que sentara, mais pelo livro na mão - um dos favoritos dela - que por sua aparência. Os olhos indecisos ricocheteavam entre ele e o livro. Procurava alguma reação, mas era um daqueles livros de efeitos perniciosos e cumulativos.

Decidira que queria ser apanhada, mas mesmo assim desviava os olhos a cada possibilidade de contato. Faltava o que dizer, a palavra que iniciaria a conversa. Ele disse a primeira palavra, totalmente incongruente, ao pegar os olhos dela nos seus.

Ele deu um sorriso estrategicamente sem graça quando ela explicou o significado. A partir daí a conversa fluiu fácil - e o trânsito rápido demais. Ela ainda se arrepende de ter não ter retribuído o pedido de telefone feito por ele.

21.11.01

Amores Complexos I: Xadrez

Jogavam xadrez à distância, um de cada lado do oceano. Suas cartas continham, entre confissões de erros e declarações de saudades, suas jogadas. Nem sempre as melhores, fato.

O xadrez os colocara juntos, ainda nos tempos de escola. Adversários bons eram difíceis de serem encontrados. Adversários agradáveis ainda mais.

Algo mais que uma amizade evoluiu daí. Escondiam isso um do outro da mesma forma óbvia com que escondiam as coisas no tabuleiro. Ao fim de um jogo longo, não havia mais nada a esconder.

Marcaram um último jogo, antes de partirem. O interromperam no meio, forma óbvia de manter contato. Nas cartas, os movimentos nunca importavam.

17.11.01

Amores Irreais I: Planos

Ela era, sem a mínima sombra de dúvida, a mulher mais perfeita que ele já vira. Não, pensava ele, a coisa mais perfeita que ele já vira ou sobre a qual tinha conhecimento. Ele não cansava de olhá-la furtivamente, para não levantar suspeitas.
Tudo nela era perfeito. A cor e textura dos cabelos e pele, o formato e rubor dos lábios e rosto. Era sua mulher ideal, mesmo que só tivesse seis anos.

Seu fascínio - e fantasias - por ela o perturbavam profundamente. Nunca se sentira atraído desse modo por nenhuma criança. Acordava à beira das lágrimas cada vez que sonhava com a garotinha no fim da rua.

O que o perturbava mais que tudo eram seus cálculos. Faltavam dez anos até a data que marcara para cortejá-la como achava apropriado. Nunca algo tão planejado pareceria tão repentino.

14.11.01

Amores Mortos I: Enterro

Ele morrera de repente, mas não tão rápido a ponto do pior ser a surpresa. Dores de cabeça, um tumor enorme que esperou pouco para estourar. Houve o tempo para o desespero em beber tudo que tinham a se oferecer.

Ela via o tempo como insuficiente. Principalmente agora, enquanto assistia o rosto lindo e branco entre as flores amarelas. Ele sempre ficou melhor sem óculos, mesmo que teimasse em não usar lentes.

Ele desejava ser cremado, disse várias vezes que se apavorava com a idéia dos mortos sob a terra. Ela não conseguiu respeitar isso. Não poderia destruí-lo irreversívelmente desse modo.

Pensava em desenterrá-lo breve (como pensara em comer suas cinzas). Sabia que não faria isso. Mesmo assim a pá no carro a confortava.

10.11.01

Amores Sonhados I: Encanto

Sentia algo importante escorrer entre seus dedos ao acordar. Ignorava se era um sonho ou uma lembrança. Percorreu sua memória durante todo o dia, mas as bagatelas do cotidiano o resgatavam com freqüência.

Na noite, corria por imagens sem rumo, percebendo que - em momentos que não conseguia definir - a película entre seu sonho e sua memória enfraquecia. Agora, com sono, acreditava que fora um sonho que causara sua inquietude agridoce.

Teve a certeza finalmente ao adormecer. Sonhou, enquanto ainda não adormecido propriamente, o mesmo sonho. Breve, fugidio, real.

Acordou assustado, lembrando-se das mãos improváveis de um perene e difícil fascínio deslizando por seus cabelos. Acreditava ser uma memória. No calor do quarto escuro, repetia o nome dela como um encanto.
Amores Fugidios I: Pizza

Ela sempre abria a porta para ele e a calabresa de todo domingo. Sempre bonita - arrumada demais para uma noite de domingo - e apressada para sair. Ele sempre se perguntava onde ela iria.

Ele tinha certeza que ela nunca comeu das pizzas que ele trouxe. Elas normalmente pulavam para crianças falando "mamãe". Recém-divorciada, sempre pagava em dinheiro: nada de nomes.

Ela era só mais uma cliente bonita em que pensar. Até que - chegando em dez, não quinze, minutos - ela abriu a porta escovando os dentes. E - sem idéia do motivo - surge uma paixão sem sentido.

Ele imaginava os olhos constrangidos dela ao passar pela rua. A placa "vende-se" quase o derruba. A lista telefônica não é de nenhuma ajuda.

9.11.01

Ninguém tem passado
Amor real não guarda pó

Escrevi isso com palavras coladas em ímãs. Acho que se procurasse mais palavras, saia algo melhor. Mas o exercício é muito interessante.