28.7.01

Da natureza do Mal
em 28.07.01

Após conhecer o Mal, tudo perde seu significado e se transforma. Cada rosto e lugar, sobretudo os mais familiares, se tornam outra coisa. Há um peso que perdura durante muito tempo, mesmo que a escolha tenha sido não abraçar o Mal: paga-se do mesmo jeito. Castigos não escolhem seus culpados pela razão.

E corre-se por longos corredores, por ruas escuras e escadas sem fim, perseguido por um algoz invisível, contra o qual não há nada a fazer. Há a certeza que a qualquer momento o Mal se fará presente e há a ansiedade de encontrá-lo. Por fim à fuga, às punições e confrontar ou abraçar o terror provocado por ele.

Os anos passam em fuga, na certeza de que o Mal é terrível. Até o acaso colocá-los lado a lado. E vê-se que não há motivo para temer, que os poderes do oponente se desfizeram há muito. Que não há nada mais lá.

Até que se acorda gritando, sabendo onde o Mal se instalou.

25.7.01

Dos Diários de Ulisses V
em 25.09.00

Lembro agora de Cassandra, pouco antes de ser arrastado para Tróia.
Uma voz fantasma a recitar o futuro, presa em transe. Ela tentou nos
dissuadir da guerra, mas seu tagarelar de futuros exatos a tornava
incapaz de convencimento. Um espelho preso numa cela.

Voltando sua atenção para eu onde deveria estar, Cassandra desfiou
cada detalhe de minha viagem. Do cavalo ao naufrágio, cada momento
foi descrito com uma rapidez e precisão impossível. E é isso que a
torna a profetisa perfeita: os futuros ocorrem por não serem
lembrados até serem já.

Me apavora não lembrar os erros que vou cometer.

19.7.01

Dos diários de Ulisses IV
em 17.04.00

Nâo decidi se as noites no Argos me agradam. Nas noites há paz para
pensar e fazer anotações em meu diário. Há uma certa tranqülidade -
sem sentido - em não ver as pedras das quais devo desviar.

Estranho como o vento se mantem morno na noite enquanto as cabines
ficam frias. Sinto muitas saudades dos tempos antes de Tróia quando
estou lá. Me sinto mais seguro na proa, como se Posseidon quisesse
minha companhia.

Talvez por isso ele me mantenha longe de casa.

14.7.01

Dos Diários de Ulisses III
em 26.03.00

Tenho pensado muito sobre o Cíclope, sobre a existência. Com seu único
olho e forças e tamanho descomunais, o Cíclope tinha uma existência
perfeita - se julgava perfeito. Devo admitir que - a princípio - me encantei por
ele: nem o Pégaso, nem Aquiles, ele era o maior prodígio que já vira.

Percebi, porém, que o Cíclope nunca seria mais do já que era. Ovelhas e
uns marinheiros aqui e ali eram tudo que ele precisava para se satisfazer.
Diante daquilo que ele poderia ser - caso fizesse o esforço - o Cíclope me
parecia baixo e animalesco.

Foi isso que me forçou a cegá-lo.

11.7.01

Dos diários de Ulisses II
em 15.03.00

Não é Ítaca que me causa saudades. Nem os tempos calmos antes da
Guerra. Dói reconhecer - com vergonha - que Tróia foi só uma
distração de minha tortura.

Nunca percebi quanto o mundo era grande até tentar voltar para
casa. Ele me distrai e me dá algo para tentar esconder meus
pensamentos agora. As Sereias quase me entreteram. Circe e o
Ciclope foram particularmente desafiadores.

Mas nada está além de Penélope
Dos diários de Ulisses
11.01.00

Se uma sereia fosse isolada de seu mar - apesar de continuar com
sua beleza pouco prática - seu canto perderia o efeito. Não só
pela saudade que sentiria de suas companheiras ou pela
complicada cacofonia do grupo.

Mas por que lhe faltaria o fundo da canção. Sem o som das ondas
e a acústica do local, o canto se torna excessivamente agudo.
belo, mas difícil aos ouvidos.

É tudo que tenho a dizer sobre as sereias.