22.12.01

Amores Sonhados III: Inversão

Ela não podia - mesmo que do modo mais tênue - existir. Suas asas, cabelos de prata, tom de pele e olhos negros sem pupilas eram uma total impossibilidade. Seu povo partira dali há muito, mesmo assim ela esperava toda noite por seu amado.

Ele, mortal e entediante, fugia dela em seus sonhos. Tudo nela o perturbava, principalmente os risos quase inaudíveis que o monstro dava enquanto voava ao seu redor. Se desesperava com a insistência das torturas dela naquela terra estranha.

Tentou, com medo, parar de dormir, mas isso se mostrou impossível. Passou por toda uma farmacopéia que só adicionava uma ressaca enorme ao acordar. Estava quase conformado em ser eternamente assombrado quando encontrou um livro sobre como controlar seus sonhos.

Ela se surpreendeu ao ver que ela não fugia, mostrando uma hesitação típica de quem tem algo a dizer. Ao ouvir as palavras equivocadas, não pôde deixar de chorar. Ou de notar outro sonhador nas bordas daquele fim.