24.4.01

Num Quarto Fechado

Passava os dias trancada no quarto. Não queria ter que ver ou falar com alguém: o esforço de qualquer resposta a destruiria, tinha certeza. Então ficava os dias trancada no quarto, os fones no ouvido, ignorando o mundo. Estava de férias dele.

Passava os dias com livros, cadernos e bonecas. Encenava peças e anotava os resultados. Tinha uma atriz preferida, que sempre ficava com o melhor papel: o da autora. Reprisava algumas peças dezenas de vezes, fazendo alterações aqui e ali. Quando encontrava a voz ideal, batia tudo à máquina e enfiava num envelope pardo.

Saía do quarto toda noite, quando a luz do corredor apagava, no sinal combinado. Andava até a cozinha, onde havia sempre algo para ela. Depois até o posto de gasolina na esquina. Andava pelo meio da rua: era mais fácil evitar as pessoas assim. Depositava o envelope pardo na caixa postal, depois colocava umas moedas nas máquinas de doce, enchia os bolsos e voltava pra casa.

Nem sempre ela se comportou assim. Houve um tempo em que ela participava do mundo. Até que uma perda de intensidade crescente foi recolhendo-a para seu quarto, até se sentir irreal demais para encontrar as outras pessoas além da porta. Resolveu então que ficaria ali até que conseguisse escrever seu caminho para fora.