20.5.01

Fantasmas num quarto de vidro
em 13.07.00

Tenho sentido uma grande vontade de escrever. Uma ambição de contar
histórias não fixadas antes. Salvo uma ou outra permutação de nomes,
advérbios ou substantivos, sei que só sobra minha voz, de "inovação".

Então fico brincando de re-escrever histórias já conhecidas, reuní-las e
apresentá-las como se elas fizessem sentido juntas. Sei que farão sentidos
quando forem vistas juntas, como um homem e uma mulher que se esbarram
vistos por olhos ciumentos: fazem sentido, mas não estão juntos.

Essas histórias - já estupidamente acusadas de poesia em prosa - pertencem
juntas tanto quanto os discos, quadrinhos, revistas, livros e gabinete do
computador que estão sobre minha cama nesse momento. Simplesmente estão
juntas lá, fruto de interesses no mesmo período.

É assim com "Amores Breves", com "Necrópole" ou "Celebridades Mortas". Todas
elas - a segunda e terceira ainda não escritas - não são mais que uma
reunião de histórinhas que vi flutando por aí. Uma ou outra, flutuando
dentro de mim, mesmo que a metáfora seja brega.

Tenho medo de me tornar outro Borges: um espelho cego pelo qual podem ser
enxergadas - de um modo distorcido, verdade - as histórias ali. Por mais que
possam discordar, não acho que seja um destino lá muito agradável: sentado
numa casa em Buenos Aires, vestido num terno invisível enquanto um
computador com a voz melifluamente humana lê para mim. Morto de medo que
decubram minha impostura, alardeando aos quatro ventos que sou um
ilusionista.

Talvez isso não seja verdade, mas é o que sinto agora.

Tenho sentido uma vontade enorme de escrever. E certos livros aumentam essa
vontade. Alguns têm até aquelas pagininhas no fundo, fruto de um descuido
ilusionário na encadernação, mas na verdade um convite ao leitor para que
continue a obra de alguma forma.

Enquanto lia o livro - que não terminei de fato, deixando uma das novelas
ligeiramente para trás - só pensava em terminá-lo para poder sentar e
escrever. Mas ao mesmo tempo, o livro me prendia, provocando que eu chegasse
logo ao final da história aparentemente vazia e extremamente reflexiva.

Não sei se esse é um bom livro. Ele criou em mim uma inquetação, um deleite
e uma raiva diante dos truques do autor. Tão óbvios de se enxergar, mas que
duvido que fosse capaz. Exatamente como um mágico de palco, enxergar o que
está atrás das cortinas não me habilita a nada.

O livro pede - ou provoca - algo que não posso exatamente identificar. Uma
vontade de ir no Brooklin da década de 80 falar com o autor, uma vontade de
falar sobre ele com alguém. De contar que entendeu a razão do título.

Ou simplesmente provoca a escrever.

Acho que é isso que provoca a dúvida da eficiência do livro. Ele não deveria
ser tão exasperador que não provocasse nada além da vontade de relê-lo e
espalhar as boas novas? Não deveria me colocar no meu lugar e me sentir mal
por nunca conseguir fazer aquilo?

Ou ele é bom justamente por me provocar? Me querer levantar e dizer ao
senhor autor que posso - e vou fazer algo igual - que não há nada ali que
algumas marcas com canetas coloridas não desvendem?

Tenho sentido uma vontade enorme de escrever. Mas falta foco.

Não faltam idéias. Tenho várias, mais do que conseguiria desenvolver de modo
algo satisfatório sem preparação. Mas não consigo me decidir por nenhuma
delas agora. Fico rascunhando na minha cabeça, anotando as frases e onde
elas se encaixam, adiando o momento de fixá-las.

Não existe um motivo para isso além da simples indecisão: qual idéia merece
vir a luz primeiro? Qual nascerá prematura, qual vai correr o risco de não
nascer por excesso de cuidados? Esse tipo de dúvida às vezes me aparece, mas
tento não dar a importância que talvez mereçam.

O imperativo absoluto que sentia alguns meses atrás passou. Não me sinto
mais desesperado: não são tempos de desespero.