7.1.04

Girls as a Memetic Infection VII
em 06.01.04

Se um paranóico é alguém que conhece todos os fatos, por que sua apofenia não podia ser algo semelhante? O reconhecimento simples de uma verdade evidente. Não era sua percepção que conectava tudo a ela, mas a história que a deslocava para o centro de todos os acontecimentos.

Era muito claro para qualquer um que entendesse como os eventos se desenrolam que não fora no metrô que a história dos dois havia começado. Ali era o ponto de virada, o chamado para a aventura. E nenhuma história que se preza podia começar assim, sem uma amostra do vida anterior vazia do seu protagonista. Fora naquele momento que ela explodira, forçando sua presença sobre todas as pessoas na estação e todos os outros assuntos.

Mas - ele tinha certeza agora - faltava um primeiro ato.

Antes dela, quando a companhia da namorada anterior não provocava nada além de uma solidão difusa. Os dois sentados num telhado, observando o céu noturno colorido pelas luzes da cidade. A percepção que não se completavam mais já presente nele ao ponto de não poder ser ignorada, mas ainda nova demais para que tocassem no assunto. Foi ali que ela apareceu, enquanto abraçava a ex-paixão tentando aquecê-la e se livrar da culpa de saber que não era exatamente aquela que queria ali.

Lembrava a cena incluindo coisas que não sabia na época, deslocando fatos ligeiramente no tempo. Adiantava alguns, puxando para a manhã seguinte o encontro na estação. Criava uma montagem paralela de uma conversa no telhado carregada de intenções, sentidos velados e meias verdades - mas que só podia acontecer na cabeça dele, ou a ilusão forçada que ainda gostava da outra lá se desfaria na hora - e a concepção e treinamento delas. A estrela cadente se despedaçando no céu era sempre emoldurada pela narração de um telejornal. Tudo antes do título, enquanto os créditos ainda corriam na tela.

A verdade é que foi a ex-paixão que apontou a estrela no céu, um só corpo deixando um traço brilhante enquanto lutava contra a atmosfera. "Olha! Faz um pedido!!" Ele conhecia o protocolo, apesar de nunca ter visto uma estrela cadente - lembrava de ter pensado que nunca vira uma delas fora da ficção, onde nunca eram o pedaço de pedra que deviam ser, mas sempre coisas mais interessantes.

Olhou para ela, fascinada com a visão, pulando e dizendo para ele fazer o desejo. A namorada sorridente desfez por um momento a sensação de perda de algo importante que sempre provocava. Começou a transformar seu desejo em palavras - algo como prolongar para semore aquele fascínio ela - mas o grito o interrompeu. Olhou para o céu, onde o meteorito se espatifara em uma manada de pedaços brilhantes. E desejou com todas as forças encontrar alguém que o completasse.

Quando olhou de novo para a ex-paixão, percebeu nos olhos dela que só o desejo dele iria se realizar. Era um dos poucos pontos da história do qual não tinha plena certeza. Podia ser só o ego brincando com a memória, mas a culpa que ainda sentia tanto tempo depois diziam que não. Enxergou nos olhos dela que poderiam ficar juntos para sempre. Seria um bom fim para outra história.

Só descobriu no dia seguinte que não desejara para uma estrela cadente, mas um satélite antigo retornando para casa, o coração radiativo morto há muito. Era por isso que não conseguia aceitar que os eventos eram aleatórios, que uma parada para comprar o jornal ou um beijo mais longo pudessem ter colocado tudo a perder. Os temas eram recorrentes e tudo se encaixava com uma perfeição impossível nos documentários.

Uma estrela falsa só podia atender o desejo com um amor artificial