9.12.02

Girls as a Memetica Infection V
em 09.11.02

Tudo se tornava ficção com ela por perto.

Era assim que se sentia, depois de ter fugido da ex-namorada e começado - em passos decididamente hesitantes - a se aproximar da garota da estação. Claro, a energia que aparecia do nada a cada nova paixão era um fenômeno conhecido e recorrente. Mesmo que há anos não tivesse uma paixão - ou princípio de paixão - sem culpas, ainda se lembrava bem como eram essas coisas.

E, com ela, tudo era diferente. Ao contrário de todas as outras que, independente da intensidade, o colocavam num estado propício à inspiração, mas que no fim das coisas só dificultavam o trabalho fundamental a qualquer escrita que prestasse, ela tinha um efeito diferente. Era como se as histórias já saíssem dela prontas. Como se ele só estivesse anotando algo que - discretamente - ela ditava nas ações, olhares e gestos.

A impressão era essa, mas sabia que quem escrevia era ele. As palavras vinham fáceis como nunca antes, mas eram palavras dele. Reconhecia suas frases, pausas e manias sem sentido. Mas percebia algo novo ali: a confiança de ter uma fã que de fato apreciava os escritos, não o escritor.

Ainda se sentia estranho com a facilidade que as coisas aconteceram. A velocidade absurda que, mesmo na época, a intimidade entre os dois se estabelecera. Hoje, com a consciência de que não poderia ser de outra forma, se perguntava como podiam prever um encaixe tão perfeito ao crià-la. Sabia que não era um alvo específico e que - se não estivesse naquela estação - ela encontraria outro como ele antes do fim do dia.

Por coisas assim que ia perdendo a fé na individualidade, subjetividade, no "único humano de cada um" como dizia um amigo "conectado ao universo". Depois dela, ficava imaginando quantas formas possíveis existiam e quão raro era o molde do seu tipo. Mas - na época - se sentia único e necessário. E mais talentoso e competente do que realmente podia ser.

Foi nesses dias que - estimulado por ela - começou um primeiro romance, que nunca pensou que ia funcionar, mas funcionou. Apesar de muito distante dos dias que vivia, a história era de uma honestidade incrível. Estavam lá expostas as possibilidades que passavam por sua cabeça se nunca tivesse visto a menina na estação. O cinza nas coisas, a lentidão das horas, a falta de sentido e os dinossauros.

Morria de medo de dinossauros, então transformou todas as idéias que o incomodavam em dinossaurinhos mal domesticados que ficavam enchendo os protagonistas. Como aqueles anjos e diabos dos desenhos animados, mas com mordidas e venenos em lugar de palavras.

Se sentia orgulhoso da idéia e mais ainda da forma de desenvolvê-la, que impediu que o romance se tornasse um drama insuportável ou que caísse na tão irritante biografia mal disfarçada. Ainda assim se sentia excessivamente exposto. Em outros tempos, os dinossauros o protegeriam dos olhares curiosos. Roubariam o foco das suas inseguranças para a metáfora palhaça.

Mas ela identificou seu medo de perdê-la assim que o primeiro tiranossauro apareceu.