21.9.03

Houve uma época em que eu colocava meus experimentos com fotografia e photoshops aqui. Atualmente, eles estão Aoristo.Fotolog. Por esses dias, imagens tiradas com uma câmera digital sem nenhum visor funcional.

4.9.03

Girls as a Memetic Infection VI
em 03.09.03

Todas suas defesas se anulavam quando pensava nela como uma história. E essa era a única tentação a que nunca conseguia resistir. Afinal, forçar sentidos em palavras e eventos desconexos era a única coisa que sabia fazer. E a história com ela vinha tão pronta - tão história - que mal resistia ao desejo de saber o final.

Na verdade, ele podia prever o final sem muitos problemas. Mesmo quando ainda faltavam tantas providências e preparativos, já tinha plena consciência da última frase, anotada num e-mail antigo.

Era feita para ele. Ou alguém como ele. Não acreditava mais em individualidades absolutas depois dela. "Um memeplexo complementar pesquisado e construído para minha faixa de consumo." Raciocínio incômodo e recorrente, mas impossível de evitar. Idéias sobre narrativas se aplicavam tão perfeitamente à situação, cheia de estruturas e reviravoltas, que eram mais que auto-engano, que uma desculpa para poder se embrenhar mais nas lembranças dela. Como se precisasse.

As técnicas antimemes não pareciam funcionar contra ela. Podia desligar propagandas de refrigerante, ir aos shows da música pop mais pegajosa e sair sem lembrar um acorde, perceber com clareza as gírias emergentes ou o ponto de saturação de uma moda. Mas algo nela fazia com que as idéias persistissem.

Inicialmente atribuiu a persistência das memórias ao fato de já estarem fixadas. Os memes já estavam lá, instalados, contaminando outros pensamentos com seus tentáculos. Eram muito bem construídos e já estavam instalados em memórias demais e apagá-las era impossível. Como todas as outras que já estavam grudadas nele.

Acreditava que todas as memórias eram indeléveis. Ou uma parte significativa delas. Mesmo que tivesse esquecido as correspondências entre moedas, capitais e países, algumas coisas persistiam. Slogans publicitários, as musiquinhas que aprendeu na escola, a vergonha antiga ao acordar de um sonho esquecido. Coisas sedimentadas demais, que flutuavam à mente sem nenhuma razão discernível. Ouvira falar de pessoas que esqueciam acontecimentos antigos e importantes. Enterravam lembranças sob outras, cardumes no quarto em vez do tio nu, um processo natural. Mas que plenamente possível de ser disparado, se podia acreditar nas "memórias" dos abduzidos e em alguns arquivos que encontrou na Europa Oriental.

A essa altura - quando identificar e desmontar memes era tão natural quanto focar a visão - acreditava em qualquer coisa. Tudo se resumia, então, a cercar as memórias de associações pouco prováveis, limitando ao acesso a elas, aos poucos substituindo-as pelas associações obscuras. Um processo lento, comparável à terapia de aversão - mas muito mais complicado que estabelecer uma relação entre o banho com vermes e a masturbação que um folheto mórmon sugerira certa vez.

Seu problema não era criar novas associações, mas apagá-las. Criar membranas surreais que o protegeriam de lidar com as memórias dela. Testou o método - criado ao mesmo tempo que implementado - apagando uma música de um desenho animado que vira na infância. Gravou um vídeo de si mesmo, escondeu em algum canto estranho da casa, programou a agenda para lembrá-lo num dia qualquer e começou a trabalhar.

Recebeu uma mensagem - enviada por amigo interessado - mencionando o tal episódio. E nada: não consegui recordar a música. Versos de Ginsberg iam às bocas das figuras toscamente animadas. Não acreditou direito no que estava acontecendo e só ao ver a fita, teve consciência de que havia conseguido.

Ela era grande demais na mente dele, muito espalhada por todas as suas memórias para que simples poemas isolados resolvessem a situação. Precisava de uma teia de significados tão grande e complexa quanto a que tentava substituir.

O problema foi resolvido quando encontrou, no meio de seus romance enciclopédicos, um que tratava de conspirações. Três amigos que inventavam todas as conspirações existentes, as relações entre elas, as farsas que as escondiam, os livros que as detalhavam. Desta vez, não anotaria nada, não programaria nenhum aviso para lembrá-lo do que seria esquecido quando terminasse o Método.

Não sabia mais quanto tempo havia passado. Só sabia da paranóia que permeava todas suas ações. Lembrava dos templários ao comprar comida congelada, de imagens maçônicas ao acordar com alguma mulher e sabia que aquelas imagens não faziam muito sentido.

Procurou a ajuda de um freudiano dos bons. Em seis meses lembrava-se dela como se nunca a tivesse esquecido.

Mas ainda sabia de cor o nome dos conspiradores.

(continua...)