15.11.02

Girls as a Memetic Infection IV
em 15.10.02

Estranho que os sonhos só começassem a desenovelar agora, tantos meses depois. Percebia que ela não era tão perfeita assim. Tinha pelo menos esse defeito de fabricação. Os sonhos - implantados pouco a pouco - deveriam ter explodido no instante que decidiu deixá-la.

Talvez fosse melhor tê-los enfrentado na época, quando todos os outros problemas afloraram e estava contaminado dos memes dela ao ponto de não poder ouvir nenhuma música, andar por quase todos os lugares ou pronunciar a maior parte do seu vocabulário de três línguas. Conseguira de tal modo amarrá-lo que nada podia ser feito sem se esbarrar em alguma idéia semeada por ela.

Mas os sonhos teimavam em aflorar agora. Sem motivo aparente. Quando achava que estava se livrando das idéias dela - ou que elas estavam diluídas além de uma percepção consciente, mesmo que ainda estivessem ao fundo de todos os seus raciocínios de uma forma que nada tinha de natural.

Tivera que ir embora antes, para um país estranho que nunca teve vontade de morar, inventando um projeto para o qual não estava qualificado ou tinha interesse. Aprender mais duas línguas e um outro alfabeto. Ler todos os autores que nunca teve tempo ou desejo e assistir grande parte dos arquivos de propaganda comunista. Tudo para afogá-la.

Sabia que não tinha conseguido. Mas - ao aumentar o número de possibilidades e interações na sua mente e sua literatura - era menos provável encontrá-la em seus devaneios. Era disso que tinha medo de fato, já que a possibilidade de um encontro aleatório era quase nula: ela nunca o procuraria de qualquer outra forma. E agora os malditos sonhos. Recolocando tudo de volta na moldura criada por ela. Fazendo as novas idéias caírem para sua esfera de influência. Desfazendo as defesas que ele tinha criado.

Ainda gostava - e precisava - falar dela com alguma freqüência, mas conseguia controlar as linhas de raciocínio. Como se dividisse os pensamentos em duas partes: uma ia na frente, guiando a outra para longe das áreas que dariam idéias para escrever. Se era isso que ela queria dele, era isso que nunca mais teria.

Ainda não tinha conseguido se convencer - e os sonhos dificultavam ainda mais - que era só isso que ela queria. Mesmo agora, se prendia à esperançaa fútil que as idéias e textos fossem só o rumo geral que a programaram para tomar. Tentava se convencer que ele era dispensável, só um veículo para o que ela precisava. Mas não conseguia.

Mesmo agora - depois de tudo - ainda se sentia mais idéias que corpo. Ainda sentia o orgulho de lembrar dela chorando com as palavras que criou para que chorasse, ou largando um texto incômodo onde previa que ela o faria. Eram as idéias que ele amava que ela amasse.

Enquanto não se livrasse disso, ainda seria dela.

2.11.02

Escritores são um porre e falam uma língua bastante particular, mas às vezes é divertido escrever sobre eles. Reúni as três partes de Pulp Hack em um negócio que pretende ser impresso. Se você quer uma cópia, me escreva com seu endereço postal.

As pessoas que pediram o segundo número do Aoristo receberam - ou devem receber até terça - um envelope que também tem Pulp Hack. Se você pediu e não receber até lá, me avise - e mande seu endereço de novo.

Os três zines estão disponíveis na rede, corrigidos e iguais as versões distribuídas.