26.8.02

Girls as a Memetic Infection III
em 26.08.02

Tinha que aceitar os fatos. Estava apaixonado.

Chegou à desagradável conclusão dois minutos depois do primeiro telefonema, sem muito se debater, poucos dias depois de vê-la pela primeira vez. Se fosse mais sincero, ou não cultivasse com tanto esforço uma camada de cinismo anti-romântico, aceitaria a situação ainda no primeiro dia, quando tudo que viu o lembrava da menina que acabara de encontrar. Só havia um detalhe a cuidar antes de poder se perder nela.

Hoje ele pensa que poderia ter se defendido. Mas os tempos eram outros, apesar de nem tão distantes. Na época, memes – “idéias como vírus”, frase que já tinha visto uma ou duas vezes – pareciam ridículos: mais ficção científica que uma possibilidade real. Mas naquele momento as coisas começavam a se confundir.

Não estava preparado quando a viu pela primeira vez. Não tinha nenhuma defesa ou vontade de se defender. Não existiam os manuais de segurança psíquica e muito menos as técnicas de combate memético - ou M2M, nos círculos que freqüentaria alguns anos depois, ao tentar se livrar dela.

Não pensou em se esconder ou fugir – o procedimento padrão quando não estava solteiro. Ao avistá-la na estação, já sabendo o quanto se sentiria mal, se aproximou sem pensar para observá-la. Ela, ao identificar um dos alvos programados, deu a ele uma única chance de escapar e baixou os olhos em vez de sorrir. Um gesto de piedade atípico, como ele descobria pouco depois.

Ele ainda pensa se, caso não fosse criada para aquele target, ela teria olhado para ele uma segunda vez. Era o tipo de pensamento que devia se concentrar para evitar agora. O tipo que ela foi criada para causar.

Seis minutos de conversa com as palavras sumindo nos trens e pessoas foram suficientes. Tudo que ela dizia se encaixava perfeitamente em algum lugar, fazia com que ele sentisse enormes possibilidades em si, como se tivesse recebido uma injeção de idéias. Estava tão envolvido que não lembrou os motivos para se sentir culpado ao pedir o telefone dela, certo que o número não tocaria em lugar algum.

Em casa, ignorou os recados e os compromissos: escreveu durante todo o fim de semana, como há muito não conseguia ou tentava fazer. Percebeu, ao revisar as histórias, que nenhuma delas era sobre a menina na estação. Todas eram sobre fins. Juntou todas num e-mail, escreveu “sinto muito” no cabeçalho e enviou para a – a partir daquele momento ex – namorada.

Discou o número. Ouviu que ela estava viajando, tirou o telefone da tomada e voltou a escrever.

(continua)