A Verdadeira Origem da Internet
em 31.07.02
Um dia um general se fez a seguinte pergunta:
-Se tiver uma guerra nuclear, vamos ficar presos aqui sem mulher. Não passará muito tempo e nossa pornografia estratégica será totalmente consumida pelo uso. Como podemos resolver esse problema?
O resto vocês já sabem.
31.7.02
19.7.02
Girls as a Memetic Infection I
em 26.06.02
“Você tem que esquecer essa mulher.”
Já estava cansado de ouvir a frase. Amigos, pais, conhecidos e amigas disponíveis e dispostas não cansavam de repetir o que ele já sabia. Mas não era só a repetição que incomodava. O fato é que esquecer a tal mulher não era nada simples.
Não era culpa dele, do seu comportamento obsessivo e muito menos de paixão. Era uma constatação simples e óbvia a respeito dela e do efeito que ela fora planejada para causar naquela fatia do mercado na qual ele se encaixava. Mais que uma pessoa, ela era um meme.
Chamá-la de meme era a maneira preferida dele falar sobre quem tirava seu sono por esses dias. Principalmente pela economia: grande parte do seu círculo já estava familiarizado com o termo e suas implicações. Cerca de metade das pessoas que diziam para ele sair, ver um filme, ficar com outra – enfim, pensar em outra coisa – balançavam a cabeça para o que acreditavam ser uma desculpa esfarrapada. Uns poucos, que acreditavam e não se interessavam por esses assuntos, misturavam pena à reprovação.
Outros – principalmente seus pais – debochavam da idéia. Perguntavam seguidamente o que é esse negócio de – “como é mesmo, meu filho?” – meme, preferencialmente naquelas reuniões familiares chatas a que era obrigado a comparecer. O chacoalhar de cabeças após as explicações era o mesmo, quase sempre seguido de algum comentário sobre como esses jovens ficam inventando nome novo para tudo.
Os poucos que sobravam eram seus preferidos. Eram aqueles que entendiam dessas coisas e faziam a pergunta que ele se coçava para ouvir: “como assim?”. Mesmo com a repulsa profunda que sentia por si mesmo ao se transformar num marionete das idéias que a construíram, era um prazer imenso falar sobre ela. Os participantes ligavam suas semióticas, estéticas, psicologias e teorias da percepção, enquanto em algum lugar um engenheiro memético gritava bingo.
Mesmo longe ela continuava se espalhando. Era uma obra-prima.
(continua)
em 26.06.02
“Você tem que esquecer essa mulher.”
Já estava cansado de ouvir a frase. Amigos, pais, conhecidos e amigas disponíveis e dispostas não cansavam de repetir o que ele já sabia. Mas não era só a repetição que incomodava. O fato é que esquecer a tal mulher não era nada simples.
Não era culpa dele, do seu comportamento obsessivo e muito menos de paixão. Era uma constatação simples e óbvia a respeito dela e do efeito que ela fora planejada para causar naquela fatia do mercado na qual ele se encaixava. Mais que uma pessoa, ela era um meme.
Chamá-la de meme era a maneira preferida dele falar sobre quem tirava seu sono por esses dias. Principalmente pela economia: grande parte do seu círculo já estava familiarizado com o termo e suas implicações. Cerca de metade das pessoas que diziam para ele sair, ver um filme, ficar com outra – enfim, pensar em outra coisa – balançavam a cabeça para o que acreditavam ser uma desculpa esfarrapada. Uns poucos, que acreditavam e não se interessavam por esses assuntos, misturavam pena à reprovação.
Outros – principalmente seus pais – debochavam da idéia. Perguntavam seguidamente o que é esse negócio de – “como é mesmo, meu filho?” – meme, preferencialmente naquelas reuniões familiares chatas a que era obrigado a comparecer. O chacoalhar de cabeças após as explicações era o mesmo, quase sempre seguido de algum comentário sobre como esses jovens ficam inventando nome novo para tudo.
Os poucos que sobravam eram seus preferidos. Eram aqueles que entendiam dessas coisas e faziam a pergunta que ele se coçava para ouvir: “como assim?”. Mesmo com a repulsa profunda que sentia por si mesmo ao se transformar num marionete das idéias que a construíram, era um prazer imenso falar sobre ela. Os participantes ligavam suas semióticas, estéticas, psicologias e teorias da percepção, enquanto em algum lugar um engenheiro memético gritava bingo.
Mesmo longe ela continuava se espalhando. Era uma obra-prima.
(continua)
Diálogo Recursivo I
em 19.07.02, com desculpas a todos os envolvidos
- Nem tudo é biografia, sabia?
- Como se nada fosse...
- Muito pouco é. E nunca é a melhor parte. As coisas interessantes são interessantes de serem vividas, não necessariamente narradas. Soam clichê, remix, dèjá vu...
- Você não fala de outra coisa a não ser de nós. Mesmo quando não fala de nós, está falando. Está lá: mas elipses, na frase quase dita.
- Eu não falo de nada além de mim. Você é ocasional. E você deveria me conhecer melhor. Você sabe o que está acontecendo. Sempre sabe. Ou eu pelo menos espero que saiba. Sou muito claro e óbvio para você. Ou me sinto assim, pelo menos.
- Há muito tempo você não é claro para mim. Queria que ainda fosse.
- Eu não. Detesto a sensação de estar em suas mãos. Queria que você ainda entendesse, mas gosto de sua incerteza. Da simetria.
- É difícil não ler aquilo que você escreve como biografia. É estranho aceitar que as histórias vêm do nada.
- Não vêm do nada. Vêm de outras histórias, de idéias que circulam, das frases que ouvi.
- E por que todas elas se parecem? Por que todas me dizem algo sobre você?
- Porque eu escrevo sobre mim, de uma ou outra forma. Biografia é a menor das preocupações. Você já devia saber que o importante é o imaginário, não os correlativos objetivos. Os eventos que aconteceram ou deixaram de acontecer são só circunstanciais.
- E como vou saber quando são só idéias ou ser algo realmente aconteceu?
- Basta perguntar.
- Isto aqui aconteceu?
- Mais ou menos. Quem se importa? Agora é ficção. Nem eu, nem você, nem ninguém participou desta conversa.
em 19.07.02, com desculpas a todos os envolvidos
- Nem tudo é biografia, sabia?
- Como se nada fosse...
- Muito pouco é. E nunca é a melhor parte. As coisas interessantes são interessantes de serem vividas, não necessariamente narradas. Soam clichê, remix, dèjá vu...
- Você não fala de outra coisa a não ser de nós. Mesmo quando não fala de nós, está falando. Está lá: mas elipses, na frase quase dita.
- Eu não falo de nada além de mim. Você é ocasional. E você deveria me conhecer melhor. Você sabe o que está acontecendo. Sempre sabe. Ou eu pelo menos espero que saiba. Sou muito claro e óbvio para você. Ou me sinto assim, pelo menos.
- Há muito tempo você não é claro para mim. Queria que ainda fosse.
- Eu não. Detesto a sensação de estar em suas mãos. Queria que você ainda entendesse, mas gosto de sua incerteza. Da simetria.
- É difícil não ler aquilo que você escreve como biografia. É estranho aceitar que as histórias vêm do nada.
- Não vêm do nada. Vêm de outras histórias, de idéias que circulam, das frases que ouvi.
- E por que todas elas se parecem? Por que todas me dizem algo sobre você?
- Porque eu escrevo sobre mim, de uma ou outra forma. Biografia é a menor das preocupações. Você já devia saber que o importante é o imaginário, não os correlativos objetivos. Os eventos que aconteceram ou deixaram de acontecer são só circunstanciais.
- E como vou saber quando são só idéias ou ser algo realmente aconteceu?
- Basta perguntar.
- Isto aqui aconteceu?
- Mais ou menos. Quem se importa? Agora é ficção. Nem eu, nem você, nem ninguém participou desta conversa.
Álcool
em 23.10.01
Era o momento de decidir como enfrentaria a crise que se apresentava. Uma crise menor - já havia passado por outras bem mais graves antes e sabia disso -, mas uma crise de qualquer modo. E era ali, na frente da cristaleira cheia de bebidas que tinha que decidir como lidaria com os eventos recentes. Uísque ou vinho?
A decisão mais importante já havia sido tomada. Na verdade, nem era uma decisão. Era mais um hábito: se embebedar era quase uma obrigação após cada decepção amorosa. A questão era que tipo de bebida tomar. Isso determinava todo o resto.
A avaliação era feita a partir de uma série de variáveis mais ou menos objetivas que incluíam desde o estoque de bebidas no bar até o que realmente acreditava que sentia pela decepção em questão.
Para o caso em questão, inicialmente, pensou em beber martinis - que queriam dizer que ele ligaria para um daqueles interesses recorrentes e em recorrentes suspensões, procurando se consolar e fazendo de conta que as semanas anteriores não importavam nada. A trilha sonora seria cool jazz. Desistiu ao perceber que a vodka na garrafa não daria para mais que um drink e teria que mudar tudo - sentimentos, músicas e roupas - ou sair para comprar mais. Ambas as idéias pareciam igualmente repugnantes.
As escolhas, então se reduziam a duas: Uísque ou vinho?
em 23.10.01
Era o momento de decidir como enfrentaria a crise que se apresentava. Uma crise menor - já havia passado por outras bem mais graves antes e sabia disso -, mas uma crise de qualquer modo. E era ali, na frente da cristaleira cheia de bebidas que tinha que decidir como lidaria com os eventos recentes. Uísque ou vinho?
A decisão mais importante já havia sido tomada. Na verdade, nem era uma decisão. Era mais um hábito: se embebedar era quase uma obrigação após cada decepção amorosa. A questão era que tipo de bebida tomar. Isso determinava todo o resto.
A avaliação era feita a partir de uma série de variáveis mais ou menos objetivas que incluíam desde o estoque de bebidas no bar até o que realmente acreditava que sentia pela decepção em questão.
Para o caso em questão, inicialmente, pensou em beber martinis - que queriam dizer que ele ligaria para um daqueles interesses recorrentes e em recorrentes suspensões, procurando se consolar e fazendo de conta que as semanas anteriores não importavam nada. A trilha sonora seria cool jazz. Desistiu ao perceber que a vodka na garrafa não daria para mais que um drink e teria que mudar tudo - sentimentos, músicas e roupas - ou sair para comprar mais. Ambas as idéias pareciam igualmente repugnantes.
As escolhas, então se reduziam a duas: Uísque ou vinho?
13.7.02
11.7.02
Pulp Hack III
em 03.07.02
Encarando a fotografia emoldurada, percebeu que a culpa por não ser pulp era dela. Não da foto, mas na mulher nela. Pelo menos nisso era noir: a culpa de sua desgraça era de uma mulher. Nada mais apropriado que ela ser sua namorada e amor da sua vida no momento. Era culpada, mas não o suficiente.
Ela era linda, o escritor tinha que admitir dando uma tragada mais profunda nos cigarros caros cigarros baratos corretos e preparava-se para outra dose de autopiedade. Mais que linda, ele acredita que ela era perfeita, mas não do jeito certo. Depois de muitos erros, tinha finalmente acertado. Pelo menos era nisso que queria acreditar, examinando de longe a pilha de cadernos baratos cheios de poemas e letras e músicas da pomposa dor adolescente que ele relutantemente deixava para trás.
Olhando os cadernos e pensando na tranqüilidade que ela causava, se perguntava por que as coisas tinham que dar tão certo agora. Precisava de uma desilusão adolescente, de uma paixão sem parâmetros. Daquelas que duram as três semanas que precisaria para escrever um romance. De preferência envolvendo uma loira macia, alcoólica, com algum plano secreto incompreensível, mas que sem dúvida nenhuma envolve você e alguma vingança. Ou aquele outro tipo clássico, lânguida, pálida e frágil, mas que domina todos os homens ao redor sem fazer muito esforço.
Era de uma dessas que o escritor precisava para ser pulp. Uma mulher que causasse agonia e infelicidade. Ele precisava ser misógino - palavra que só Marlowe, entre todos os detetives, conheceria. E não importava quanto whisky barato bebesse, não ia conseguir isso. Abaixo dos trópicos, o ódio às mulheres vinha com pinga, desemprego e sinuca. E desses nenhum combinava com o noir que precisava escrever.
Claro, podia mudar dali. Deixar a mulher que atrapalhava sua infelicidade para trás. Ir para uma cidade mais urbana, mais plana e com o mais sujo. Mas - tanto quanto o medo de ficar sem ela - eram as dúvidas se isso funcionaria. Claro, beberia muito - até gim, quem sabe - mas sabia que a ausência dela seria uma mudança de foco. Ele precisava temer uma mulher, odiá-la ao mesmo tempo que a desejasse. Tinha certeza que dela só sentiria saudades.
E nem a pau iria voltar para aquela choradeira indie.
em 03.07.02
Encarando a fotografia emoldurada, percebeu que a culpa por não ser pulp era dela. Não da foto, mas na mulher nela. Pelo menos nisso era noir: a culpa de sua desgraça era de uma mulher. Nada mais apropriado que ela ser sua namorada e amor da sua vida no momento. Era culpada, mas não o suficiente.
Ela era linda, o escritor tinha que admitir dando uma tragada mais profunda nos cigarros caros cigarros baratos corretos e preparava-se para outra dose de autopiedade. Mais que linda, ele acredita que ela era perfeita, mas não do jeito certo. Depois de muitos erros, tinha finalmente acertado. Pelo menos era nisso que queria acreditar, examinando de longe a pilha de cadernos baratos cheios de poemas e letras e músicas da pomposa dor adolescente que ele relutantemente deixava para trás.
Olhando os cadernos e pensando na tranqüilidade que ela causava, se perguntava por que as coisas tinham que dar tão certo agora. Precisava de uma desilusão adolescente, de uma paixão sem parâmetros. Daquelas que duram as três semanas que precisaria para escrever um romance. De preferência envolvendo uma loira macia, alcoólica, com algum plano secreto incompreensível, mas que sem dúvida nenhuma envolve você e alguma vingança. Ou aquele outro tipo clássico, lânguida, pálida e frágil, mas que domina todos os homens ao redor sem fazer muito esforço.
Era de uma dessas que o escritor precisava para ser pulp. Uma mulher que causasse agonia e infelicidade. Ele precisava ser misógino - palavra que só Marlowe, entre todos os detetives, conheceria. E não importava quanto whisky barato bebesse, não ia conseguir isso. Abaixo dos trópicos, o ódio às mulheres vinha com pinga, desemprego e sinuca. E desses nenhum combinava com o noir que precisava escrever.
Claro, podia mudar dali. Deixar a mulher que atrapalhava sua infelicidade para trás. Ir para uma cidade mais urbana, mais plana e com o mais sujo. Mas - tanto quanto o medo de ficar sem ela - eram as dúvidas se isso funcionaria. Claro, beberia muito - até gim, quem sabe - mas sabia que a ausência dela seria uma mudança de foco. Ele precisava temer uma mulher, odiá-la ao mesmo tempo que a desejasse. Tinha certeza que dela só sentiria saudades.
E nem a pau iria voltar para aquela choradeira indie.
10.7.02
Luto
em 06.06.02
“Agora que tudo começa.” Era só isso que conseguia pensar ao chegar na casa mais vazia que o habitual. Depois de tudo feito, todas as providências tomadas, o instante em que abriu a porta e não sentiu nenhum movimento lá dentro. Ali tudo começou a pesar.
Não sabia por que voltara para lá. Não entendia por que não ia embora. Uma esperança vaga que não fosse tão difícil quanto sabia que seria, uma ilusão de que ainda estaria ali. Ilusões que se desfizeram ao abrir a porta.
Estava acostumado a ficar sozinho, ao silêncio. Passava dias sem falar com ela. Não tinha motivos: a vida passava sem acontecimentos. Mas sabia que ela estaria ali quando algo acontecesse, quando tivesse uma história para contar, ou precisasse de um olhar de carinho ou reprovação.
Mas transformaram tudo em impossibilidade.
em 06.06.02
“Agora que tudo começa.” Era só isso que conseguia pensar ao chegar na casa mais vazia que o habitual. Depois de tudo feito, todas as providências tomadas, o instante em que abriu a porta e não sentiu nenhum movimento lá dentro. Ali tudo começou a pesar.
Não sabia por que voltara para lá. Não entendia por que não ia embora. Uma esperança vaga que não fosse tão difícil quanto sabia que seria, uma ilusão de que ainda estaria ali. Ilusões que se desfizeram ao abrir a porta.
Estava acostumado a ficar sozinho, ao silêncio. Passava dias sem falar com ela. Não tinha motivos: a vida passava sem acontecimentos. Mas sabia que ela estaria ali quando algo acontecesse, quando tivesse uma história para contar, ou precisasse de um olhar de carinho ou reprovação.
Mas transformaram tudo em impossibilidade.
4.7.02
Pulp Hack II
em 01.07.02
O escritor pensava, enquanto tentava se levantar, em como era difícil conciliar seus desejos e gêneros literários. Queria ser pulp, não tinha dúvidas disso, mas faltava a inspiração adequada. Claro, tinha a cidade sórdida e corrupta à vista sob sua varanda, mas não se sentia tocado pela sordidez. E não era só pela altura do apartamento ou dos muros que o cercavam. Podia ver a cidade nua, mas como um voyer, Nunca com um participante. Claro que foi isso que o tornou um escritor, em primeiro lugar.
"Não é assim que deve ser", concluía, enquanto cuspia os restos na boca nos menos afortunados na calçada. Sua relação com as distâncias eram complicadas. Tentava colocar espaços entre ele e tudo aquilo que escrevia, ao mesmo tempo que se esforçava para abraçar os simulacros absurdos que construía ao seu redor. Afinal, sua cidade não era nem Los Angeles nem Nova York. Não tinha nem de longe o estilo necessário: ninguém nesse buraco tomava martinis ou bourbons. E noir com cachaça não dá.
Mas seu maior problema era de outra natureza.
Queria ser pulp, queria ser barato, mas mesmo com a cabeça martelando na ressaca e os dedos doloridos da máquina de escrever, não conseguia se sentir assim. Perdido sua reencenação de Pierre Mainard, não conseguia entender as razões enquanto vasculhava suas estantes. Tudo que deveria ler estava lá, devidamente lido. Todos os escritores que sobreviveram, todos os escritores que eles leram. Até os livros com cada fotograma de Casablanca e O Falcão Maltês. Mas faltava alguma coisa que não conseguia determinar.
Foi ao acender o primeiro cigarro, sentando em frente à máquina, que percebeu a fotografia sobre a mesa.
em 01.07.02
O escritor pensava, enquanto tentava se levantar, em como era difícil conciliar seus desejos e gêneros literários. Queria ser pulp, não tinha dúvidas disso, mas faltava a inspiração adequada. Claro, tinha a cidade sórdida e corrupta à vista sob sua varanda, mas não se sentia tocado pela sordidez. E não era só pela altura do apartamento ou dos muros que o cercavam. Podia ver a cidade nua, mas como um voyer, Nunca com um participante. Claro que foi isso que o tornou um escritor, em primeiro lugar.
"Não é assim que deve ser", concluía, enquanto cuspia os restos na boca nos menos afortunados na calçada. Sua relação com as distâncias eram complicadas. Tentava colocar espaços entre ele e tudo aquilo que escrevia, ao mesmo tempo que se esforçava para abraçar os simulacros absurdos que construía ao seu redor. Afinal, sua cidade não era nem Los Angeles nem Nova York. Não tinha nem de longe o estilo necessário: ninguém nesse buraco tomava martinis ou bourbons. E noir com cachaça não dá.
Mas seu maior problema era de outra natureza.
Queria ser pulp, queria ser barato, mas mesmo com a cabeça martelando na ressaca e os dedos doloridos da máquina de escrever, não conseguia se sentir assim. Perdido sua reencenação de Pierre Mainard, não conseguia entender as razões enquanto vasculhava suas estantes. Tudo que deveria ler estava lá, devidamente lido. Todos os escritores que sobreviveram, todos os escritores que eles leram. Até os livros com cada fotograma de Casablanca e O Falcão Maltês. Mas faltava alguma coisa que não conseguia determinar.
Foi ao acender o primeiro cigarro, sentando em frente à máquina, que percebeu a fotografia sobre a mesa.
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