11.5.14

Bonsai

Neste meu canteiro cultivo com cuidado delicado haikai

29.4.14

Lição de Vida

Como todo mundo, faço algumas coisas que sei que não deveria. Uma delas é ocasionalmente pegar ônibus pela cor, ignorando supérfluos como letreiros. Outra é tomar remédios baseado no formato da embalagem e ou dos comprimidos. Normalmente, não pega nada, mas as exceções são memoráveis.

Assim que chegamos à mesa do restaurante, tomei dois comprimidos que supostamente ajudam a digestão. Algo bastante necessário, devido ao excesso de bebida da noite anterior. Num exercício de moderação, resolvi beber água com gás. Claro que qualquer moderação durou pouco e pedi um mix de lingüiças e meia dúzia de ostras. Lembro que as lingüiças estavam boas e as ostras superfrescas - comi umas, depois as outras, porque não sou bárbaro.

Enquanto contemplava o que mais pedir, Daniela começou a me acusar de estar estranho. Não entendi bem o motivo, pois estava me sentindo bem, só com um pouco de calor e indeciso sobre o que comer em seguida.

Daí as coisas sumiram na minha memória e fui acordar algumas horas depois num hospital, com uma sonda enfiada no braço, algo pingando e uma médica me fazendo perguntas muito difíceis antes de me internar. Baseada nas respostas da minha mulher - e alguma interferência minha - a médica decidiu que depois do eletrocardiograma que eu havia feito e das aferições de pressão, eu deveria passar a noite internado.

Me recusando com todo o vigor possível no momento, disse que não ia ficar internado nada, porque sabia exatamente o que tinha acontecido e o remédio era muito simples: dormir. É que, em vez de tomar os comprimidos que deveria, tomei dois rivotril de 2mg.

Perguntei dos resultados dos exames, a médica insistia que o hospital não era uma prisão e que eu poderia ir embora quando quisesse, desde que fosse pela manhã. Reafirmei que iria para casa, assinei uns papéis do tipo "se você morrer o problema não é meu" e fui para casa, voltar para o meu sono superrelaxante - que só foi interrompido para colocar Game of Thrones e Mad Men para baixar, muito urgente. Também ia contar esta história aqui, mas me senti ligeiramente indisposto.

Então, garotos, a lição desta história é: sempre leiam o letreiro do ônibus ou vocês vão parar no Cupecê.

16.4.14

Uma Despedida

Recebi a notícia de que não estaríamos mais juntos no que foi - ou está sendo, porque ainda não terminou - o pior momento da minha vida. As coisas já estavam complicadas entre nós há algum tempo, e sentia em muitos momentos que aquela paixão juvenil que nasceu no momento em que vi você havia esmorecido. E em vez de noites dançando ou passeando pelas ruas, eventos menos românticos se tornaram mais usuais. Restaurantes em vez de pistas de dança, reuniões com amigos substituindo o prazer de conhecer gente estranha. E muitas, muitas, noites de sexta em casa.

Imaginava - e ainda afirmo, não importa o que achem - que isso tudo é só uma fase, mesmo que longa. Para mim, nunca foi o meu amor que diminuiu: se tanta coisa mudou, foi porque há muito tempo a vida não tem sido gentil comigo e me sentir pleno com você era impossível quando sentia tanto faltando em mim. Mas mesmo nos momentos mais difíceis eu jamais questionei que era com você que queria estar. Não era só porque você me dava tantos dos dispositivos práticos da vida e tomava conta de mim tão bem. Era porque você preenche meu peito como nenhuma outra jamais fez. Porque com você eu me sinto mais.

É óbvio que depois de quase dez anos, tínhamos uma rotina maluca estabelecida e você me irritava tremendamente em alguns momentos. Seu barulho excessivo. Se pudesse, em vários momentos teria esmurrado a sua cara. Mas você nunca, nunca mesmo, deixou de me surpreender em momentos inesperados. De coisas enormes e maravilhosas, a outras quase imperceptíveis, sempre uma novidade. Sinais novos, detalhes minúsculos que tornam você tão fascinante para mim.

Não posso negar que em alguns momentos desejei outras e flertei com elas. Mais glamurosas, mais brilhantes, mais ricas. Algumas com uma beleza que você nunca vai ter e que me apela tremendamente. Às vezes eram bem parecidas com você. Às vezes eram totalmente diferentes: fantasias árcades absurdas de paz distante na velhice. Saí para alguns encontros, sempre meio de má vontade e - por mais que me mostrassem novidades tentadoras - ficava muito feliz em estar de novo com você. Não é hora de falar nisso, já tratamos demais daquele único momento em que teria me comprometido com outra se ela me aceitasse. Talvez fosse mais por vontade de ser um outro que por ela, mas sempre que ouço notícias, estremeço um pouco e fantasio com uma outra vida. Mas era impossível e não acho que isso tenha tirado nada de nós.

Eu amo você profundamente. Tenho dificuldades de me imaginar sem você comigo. Vai ser uma vida tremendamente diferente, a ponto de não conseguir imaginar como vai ser - por mais que me esforce para ver o lado bom da mudança, não consigo deixar de acreditar que vou perder muito mais do que ganhar. Queria levar você comigo tanto. Tanto que dói. Tanto que sinto dor física.

Nesse anos todos ouvi muita gente falando mal de você. Com um monte de ideias mal formadas, preconceituosos. E sempre a defendi, mesmo nos momentos de decepção - que foram muito menos do que qualquer um que não a conheça como eu poderia esperar. Seus defeitos são muitos, mas há muito tempo tenho como certo que é importante encontrar defeitos toleráveis no outro para qualquer relacionamento de longo prazo funcionar. Passo ao largo de seus defeitos de que falam tanto. Suas qualidades se elevam muito além deles. Sua vitalidade, sua complexidade absurda, sua beleza que muitos não enxergam, mas que se encaixa perfeitamente no meu tipo. Tanta coisa que eu poderia passar minha vida toda acrescento outras à lista.

Já me disseram - vivem me dizendo - que minha visão é distorcida. Foda-se. Amor na magnitude que sinto por você tem esse direito. Sei que outros vêem o mesmo que eu e nunca vai faltar gente para se apaixonar e querer passar a vida toda com você. Todo tipo de gente que vão ter você por perto enquanto eu vou embora - sinto tanta raiva e inveja deles que poderia explodir.

Nas últimas semanas, mesmo com a toda a confusão, tivemos muito tempo juntos sozinhos. Mesmo me preparando para partir, descobria coisas novas. De verdade, você provocava, como se quisesse aumentar a dor de ficar sem você. Não é como se você fosse sentir minha falta, então porque provocar tanto?

Enquanto arrumava as malas e cuidava dos preparativos finais para partir, as crises de choro foram se tornando mais longas e frequentes. Ontem, na véspera desta partida, tive meus momentos de luta contra choro convulsivo. Na hora que percebi de todo que vou mesmo ficar sem o que mais amo em você (e não é fácil decidir) não aguentei. E duvido que qualquer um que realmente compreenda como eu amo você fosse me censurar.

Queria tanto ficar. Mais do que quase tudo no mundo. Nem fui e fico sonhando com a possibilidade de voltarmos, pensando como vai ser diferente então. Como a partir de hoje nossa convivência se transforma em encontros. No início até que freqüentes enquanto temos que cuidar de algumas pendências. Depois cada vez mais esporádicos, até eu me surpreender com mudanças radicais para mim e que parecerão só uma evolução natural para quem vê você todos os dias.

Se vou sofrer tanto, por que tenho que ir? Por que tenho que passar pela dor de escolher entre você e a única coisa no mundo que amo mais? Quando vocês se davam tão bem? O tipo de escolha que não queria que fazer nunca, que há anos vinha se tornando cada vez mais evidente. No final das contas, acho que é uma questão de necessidades. Entre as dela, que em grande medida posso suprir e as suas. Entre quem sentiria tanta falta da minha presença e você, que apagará meus sinais num instante. É tão injusto que me mortifica. Mas é a única justificativa que tenho.

Espero que não seja um adeus. Por isso "até breve", São Paulo.
Em 16.04.14

Sozinho na noite,
Fantástica sensação
De lugar nenhum

19.11.04

Girls as a Memetic Infection VIII
em 19.11.04

Se fora ele quem iniciara a história ao desejá-la sem saber bem que o fazia, era ele quem deveria terminá-la. Afinal, ele foi desde a primeira linha o autor e protagonista. Ela nada mais que o argumento, um simples motor narrativo. Uma musa, no máximo.

Não havia nenhum motivo, então, para o medo que sentia dela. Ela o amendrontava como faria uma criatura fantástica, uma horda de hidras mutantes zumbis saindo de um disco voador. Era bem verdade que ela havia escorregado da ficção científica para a realidade, mas esse tipo de evento não era mais memorável. Choques entre entidades dos dois lados dos limites enfraquecidos entre realidade e ficção eram inevitáveis enquanto um mundo se deslocava na direção do outro. Crianças com superforça, tradutores telefônicos instantâneos, o panóptico das câmeras ubíquas e sistemas de comunicação que pareciam muito com telepatia eram reais. E ele não temia nenhuma delas. Por que temeria a menina de mentira?

Claro que tinha uma resposta para tanto. Nenhum dos outros artefatos que o futuro empurrava em direção ao presente na tentativa de transformá-lo em si próprio era dirigido a ele. E ela foi feita para ele - ou a fatia de mercado na qual se encaixava, e nesses dias isso era praticamente a mesma coisa. Mas era justamente por isso que era ele quem deveria colocar um ponto final em tudo aquilo. Porque o futuro a jogou na direção dele. Porque as bestas mitológicas só podem ser mortas por seu nêmese. Porque viver com ela à solta no mundo era muito mais doloroso que a inexistência dela.

A história teria que terninar de modo irrevogável. Era nesse sentido que ele deveria forçar os fatos para se ver livre dela sem continuações, spin offs ou novas temporadas. Um capítulo final. Talvez um epílogo curto, mostrando como seu mundo era mais rico sem ela. Não era, mas ele teria que se convencer do contrário. Desde que a conhecera, ela se espalhara e contaminara tudo ao seu redor com as idéias que sua programação carregava. A sua simples presença encantava cada momento para ele. A maneira que se mexia, a cor da pele, o ar de melancolia, os sorrisos breves... Era nisso que ele tinha que colocar um ponto final. Nas associações que ela forçava sobre o mundo. Há muito tempo tentava evitá-las, mas isso reduzia demais suas possibilidades. O mundo sem ela era pequeno demais, sufocante demais para que as paredes que se impunha não fossem percebidas.

Mais que terminar a história de modo irrevogável, precisava purgar o mundo dela. Enterrar as marcas dela sob associações mais fortes, cores mais vivas. Ou reduzir todas as lembranças a uma, virar a história em um sentido inesperado, de modo a instaurar um estado de coisas que não pudesse remeter ao mundo com ela. A solução era meio folhetinesca e - com toda sinceridade - não era boa literatura. Mas puxar um gatilho era bem mais simples do que esquecê-la.

E sabia exatamente onde encontrá-la.

(continua...)

29.9.04

21 Dias: Fragmentos de uma Carta Recebida em 26.09.04
em 27.09.04

(...)

A essa altura você já deve ter percebido o objetivo da carta. Acho que você percebeu quando abriu a caixa de correspondência e me viu lá dentro.Por que eu escreveria se ainda fosse encontrar você? A única coisa urgente o suficiente é dizer que não posso encontrá-lo. Que não posso ir.

Não posso fazer isso com ele. Não interessa que o "álibi é perfeito", como você diz. Nem que ele nunca vai descobrir. Eu sei e não acho que ele mereça isso. Ele está muito longe do meu ideal - que você sabe bem onde está - mas é de verdade e é totalmente dedicado a mim. Não sei se é o suficiente, mas não sou mulher de fazer loucuras. Mesmo por você.

Quero estar com você, mas não quero ter ver diluído nas ninharias do dia-a-dia. Não quero ver você material demais, real demais. Então é melhor deixar você aí, perfeito e distante, uma idéia de como as coisas poderiam deveriam ser. Meu amor longe, nove décimos ficção.

25.8.04

Uma hai-kai e suas versões
em algum ponto de 2000

Furu-ike-ya
kawasu tobi-komu
mizu no oto

Matsuo Bashô


Sobre o tanque morto
um ruído de rã
submergindo.

Olga Savary


Ah, o velho lago.
de repente a rã no ar
e o baque n'água.

Olga Savary


O velho tanque
Uma rã mergulha
dentro de si

Jorge de Souza Braga


No tanque vetusto
um estalido na água:
o salto da rã !

Monsenhor Primo Vieira


Salta uma rã pequenina,
Eu sem nada entender,
Seja rã, ou japonês.

Rodolfo S Filho